8/09/2021

Corpos

Inspira e se move, sobe os braços para abarcar o céu, levanta a cabeça e seus olhos ardem, pensa no sol iluminando seu rosto, aquecendo sua pele, abre os olhos e uma luz branca devolve à sua retina raios de luz artificiais. Retorna à realidade, aos sons dos carros lá fora, dos pássaros, dos alunos à sua volta, braços levantados em busca de um céu azul escondido por trás de andares e mais andares de cômodos povoados de seres que ignoram o azul, ignoram a luz, ignoram a si mesmos. 

Expira e os braços baixam. Olha à sua volta e vê o reflexo de seu movimento refletido em outros corpos. Pernas e braços que não são seus, mas que levantam quando ela os levanta, e baixam quando ela os abaixa. Por alguns segundos diverte-se com a ideia de que ela os comanda, a todos - esses reflexos que não lhe pertencem. Mas então fecha os olhos e uma dúvida surge em sua mente - E se eu sou o reflexo?

Levanta-se e baixa os braços quando os reflexos os abrem, e lança a perna à frente quando eles as lançam para trás. Um deles volta-se para ela, o olhar questionador. Ela reflete um sorriso sem graça, corrige os movimentos. Um erro, um engano - só para ter certeza. 

C.C.


4/19/2016

Ritual

Esse ritual costumava ser sagrado, diário e corriqueiro. Fitar a tela em branco e ali transformar em palavras sentimentos que a dominavam e impressões que atingiam em cheio. Ela fitava o teclado e via as palavras prontas nas pontas dos dedos, que corriam céleres sem tropeçar, traduzindo emoções e imagens que a despertavam de seu torpor costumeiro. 
Era um ritual, e era uma parte de si. Mas em algum momento, em alguma parte, ela se perdeu. O ritual foi quebrado. A partir de então os sentimentos ficaram trancados e as imagens foram se perdendo, sem alguém que os traduzisse, já não faziam mais sentido, e eram deixados de lado... Ela se perdeu, e um dia percebeu que estava no escuro. As palavras já não vinham, e o teclado era cheio de letras em posições aleatórias que pareciam não se encaixar... Seus dedos tropeçavam e desistiam...Calaram-se. Assim como ela se calou para o mundo. E agora ela fita aquela tela em branco novamente, sem emoções, sem imagens para serem traduzidas, e o vazio que a preenche a assusta, e o escura que a cerca a faz tremer. Mas se ela conseguir fitar a luz, a luz que a fascina, a luz daquela tela em branco, e se ela conseguir escrever uma palavra sem tropeçar, então talvez não seja tarde, talvez ainda haja esperança, talvez ela ainda consiga gritar, aquele grito rouco de uma garganta seca há muito não utilizada, aquele grito que vem de dentro, da alma, aquele grito primevo - o primeiro passo para a libertação.

C.C.

3/12/2016

Passion

Angelus:

"Passion. It lies in all of us. Sleeping... waiting... And though unwanted... unbidden... it will stir... open its jaws, and howl.
It speaks to us... guides us... Passion rules us all. And we obey. What other choice do we have?
Passion is the source of our finest moments. The joy of love... the clarity of hatred... and the ecstasy of grief.
It hurts sometimes more than we can bear. If we could live without passion, maybe we'd know some kind of peace. But we would be hollow. Empty rooms, shuttered and dank... Without passion, we'd be truly dead."

3/07/2016

Loss

Eu sei porque me sinto tão triste, sei porque quando paro por alguns segundos meu olhar se perde e vaga sem rumo. Sei porque dentro de minha cabeça aquela cena se repete e não há nada que eu possa fazer para impedir seu desfecho - eu aceito.
Mas no exato momento em que aceito, eu me revolto. Então o mundo dá novamente seu grito desesperado de criança querendo atenção, e sou forçada a me resignar, e a deixar a cena de lado. Mas enquanto dou atenção para o mundo, nada muda, dentro de mim, nada muda...
Ainda sinto o aperto no peito, ainda sinto a resignação, e enfim, a revolta.
Eu aceito sem aceitar, e por um tempo esta será minha luta. O mundo pode gritar, não me importo. O mundo pode não entender, eu entendo. E sei que algumas pessoas compartilham deste entendimento, pois quando meu olhar se perde, sinto seus olhares tão perdidos quanto os meus, vagando pelas brumas da negação.
E tão mais difícil que entender, é tentar explicar. Eu nem tento.
Apenas aceito a companhia dos olhares perdidos como os meus e dos gritos sufocados que ecoam junto ao meu peito.
No fim, o mundo engole nossa dor, e sem querer acreditar, sem querer aceitar, sem querer... seguimos em frente.

C.C.

2/15/2014

Tempestade


O céu prateado ferindo meus olhos com sua luminosidade, o arrepio gélido que percorre meus braços quando esta doce brisa os toca. Folhas agitam-se e galhos curvam-se sob a sua vontade. Percorrendo todos os caminhos sem discriminação, espalhando seu frio abraço.
Tão esperada e tão temida a tempestade se aproxima, como as árvores que durante séculos resistem a sua fúria, fincamos nossos pés ao chão e curvamo-nos ante a força bruta, devastadora, ante a renovadora tempestade de verão.

1/15/2014

Paz

Penso. Logo tudo vira motivo para se analisar. Não que tudo esteja bem... Algumas coisas saem do controle enquanto outras voltam a ser o que eram. Paz... Busco por essa palavra. Anseio por tudo que ela representa, mas aprendi que enquanto se vive dela não desfrutamos. É só uma ilusão. O Graal dos que já não podem, mas que ainda assim seguem em frente. Não é a vida que cansa, o trabalho, as contas... É o mundo! A sociedade insaciável com suas leis imutáveis e estúpidas. A ganância, a ambição e a miséria, não dos que imploram por comida e água, mas miséria de humanidade.
No afã de sermos únicos, a espécie escolhida, a raça suprema - afogamo-nos na miséria da alma e do ser. De superior o que nos resta? Seres deprimentes que acreditam tudo ser e nada fazem. Mentiras e hipocrisia decoram aquilo que chamamos sociedade. PAZ! Muitos pedem e poucos compreendem. Deus nos olha e ri, enquanto uma lágrima escorre solitária - "O que foi que eu fiz..."

C.C.

12/17/2013

SAGA - Filipe Catto

Tirando as teias do Blog


Saga - Filipe Catto

Andei depressa para não rever meus passos
Por uma noite tão fugaz que eu nem senti
Tão lancinante, que ao olhar pra trás agora
Só me restam devaneios do que um dia eu vivi

Se eu soubesse que o amor é coisa aguda
Que tão brutal percorre início, meio e fim
Destrincha a alma, corta fundo na espinha
Inebria a garganta, fere a quem quiser ferir

Enquanto andava, maldizendo a poesia
Eu contei a história minha pr´uma noite que rompeu
Virou do avesso, e ao chegar a luz do dia
Tropecei em mais um verso sobre o que o tempo esqueceu

E nessa Saga venho com pedras e brasa
Venho com força, mas sem nunca me esquecer
Que era fácil se perder por entre sonhos
E deixar o coração sangrando até enlouquecer

E era de gozo, uma mentira, uma bobagem
Senti meu peito, atingido, se inflamar
E fui gostando do sabor daquela coisa
Viciando em cada verso que o amor veio trovar

Mas, de repente, uma farpa meio intrusa
Veio cegar minha emoção de suspirar
Se eu soubesse que o amor é coisa assim
Não pegava, não bebia, não deixava embebedar

E agora andando, encharcado de estrelas
Eu cantei a noite inteira pro meu peito sossegar
Me fiz tão forte quanto o escuro do infinito
E tão frágil quanto o brilho da manhã que eu vi chegar

E nessa Saga venho com pedras e brasa
Venho sorrindo, mas sem nunca me esquecer
Que era fácil se perder por entre sonhos
E deixar o coração sangrando até enlouquecer

C.C.


3/18/2013

A Fama da Fera

Teria chegado a tempo se não tivesse parado dois minutos para ir ao banheiro. Era o primeiro dia de aula numa disciplina em que a fama se espalha desde o topo da hierarquia acadêmica até as primeiras fases da graduação, não devido a sua dificuldade, mas devido ao seu ministrante. Uma disciplina prática de laboratório em que a pontualidade era essencial para a sobrevivência. Várias histórias aterrorizavam calouros e veteranos ano após ano, de criaturas que saiam aos prantos do laboratório e nunca mais eram vistas nos arredores do curso após alguns segundos de atraso.
Ela tinha certeza que por ser extremamente pontual em qualquer ocasião, isso nunca aconteceria com ela. Agora lá estava, sentada no banco do ônibus, os olhos grudados no relógio, as unhas sendo trituradas pelos dentes - ela rezava para que o veículo ganhasse asas, para se teletransportasse, ou que um raio o partisse em dois, em mil pedaços.
Desceu do onibus levando algumas bolsas, mochilas e pessoas de arrasto. Se ao menos tivesse conseguido segurar a vontade de ir ao banheiro por mais alguns segundos, não teria perdido o onibus, não teria pego um onibus que fosse quebrar cinco minutos após sair do terminal, e já estaria no laboratório, sorrindo. Mas não, lá estava ela, correndo pelo campus da universidade, entoando o mesmo mantra uma vez após a outra: Eu vou conseguir, vou chegar em cima da hora, mas vou conseguir.
Não conseguiu. Alcançou a porta do departamento no exato momento em que o professor se encaminhava para o laboratório. Correndo pelo corredor, viu o exato momento em que ele entrou na sala e fechou a porta atrás de si. Seu coração parou, suas pernas não. Quase caiu nesse desencontro de comandos, e acabou parando na porta da sala. Se entrasse sairia chorando e nunca mais seria vista no curso, se não entrasse choraria na próxima aula por não ter comparecido à primeira. Encarou a porta fechada por alguns segundos e tomou sua decisão. "Se vou acabar chorando mesmo, que seja agora que já corri feito louca pela universidade inteira." Respirou fundo e entrou.

- Muita coragem a sua entrar na minha aula a essa hora! O professor a fulminava com os olhos.
- Desculpe o atraso Professor. Disse, encarando-o, mesmo que estivesse somente uns trinta segundos atrasada. Ainda posso assistir sua aula?
- Muita coragem a sua perguntar isso! Por acaso não sabe que não tolero atrasos?!
- Desculpe Professor. A turma a encarava. A falta de sentido daquilo tudo a estava deixando com mais raiva do que com medo, para falar a verdade. E choro algum se pronunciava. Como não era minha intenção atrapalhar, só gostaria de saber se posso assistir a aula ou não. Se não, vou direto na secretaria trancar a matéria. Se sim, o Senhor tem minha palavra de que esse incômodo não se repetirá.
O Professor não havia desgrudado os olhos dos dela, mas diante de sua última frase, seu olhar reprovador havia se transformado em surpresa. A encarou por mais alguns segundos e então disse:
- Se é assim, vá logo colocar seu jaleco, já perdemos tempo demais. Mas se isso acontecer novamente, é melhor que nem entre!
- Sim, Senhor. Disse, e se dirigiu para o fundo do laboratório.
Todos na turma a encaravam como se ela fosse uma heroína. A primeira criatura em anos a conseguir se safar dos berros e ofensas do Professor e, mesmo atrasada, ainda conseguir assistir sua aula! Nada assim havia acontecido antes.
De sua parte, ela só via duas explicações, ou o Professor estava ficando velho e estava amolecendo, ou ela havia feito o que ninguém antes havia tentado, não tremera diante dele, não demonstrara medo, e fora sincera.

C.C.

12/02/2012

"A doce vida"

Uma palavra que nos momentos de fraqueza se faz presente e toma conta de tudo à minha volta. Desisto.
Quando se tenta e já tantas vezes o fracasso é a resposta; quando se levanta e o próximo passo te leva ao abismo; quando todos os seus esforços são desmerecidos e não há uma palavra, um olhar ou um sorriso que te guiem de volta para a luz... Desisto.
Os vencedores brindam e dançam enquanto meus sentimentos são abafados por uma total indiferença, e tempo e espaço já não mais existem. A realidade mostra-me as costas, e já não me importo mais.
Que deixem os Deuses com seus louros, e os mortais no esquecimento. Agrego-me a esta massa pulsante que já não sente e apenas existe, pois que este é o destino dos que fracassam.
Desistir é padecer no esquecimento.
Assim dito, levanto-me e sigo em frente.

C.C.

8/27/2012

A arte de escrever

Disseram uma vez que a arte de escrever consiste em se ter algo a dizer, e dizê-lo. Ás vezes se tem tanto a dizer que as palavras atropelam-se umas sobre as outras e nada coerente é capaz de escapar. Ás vezes o que temos a dizer perde-se no meio de divagações sobre o que é certo e errado e sobre o que deve ou não ser dito. A arte de escrever parece simplória , mas quando se almeja alcançar um certo nível, ela torna-se complexa e árdua.
Qualquer um pode escrever sobre a beleza de uma rosa, mas poucos são os que conseguem tornar a rosa algo realmente belo.

C.C.