2/20/2010

Reflexos



Não eram os pássaros que a incomodavam - o canto, as cores, o vôo perfeito - também não poderiam ser as flores, ou o perfume doce que a brisa delas trazia, impregnando o quarto, inundando seus pulmões. Lembrava-se de ter fechado os olhos naquele dia por alguns minutos, deitada na cama, sentindo o aroma que vinha do jardim, ouvindo o canto dos pássaros, os murmúrios que vinham dos outros quartos. Lembrava-se também de ouvir o choro de uma criança, incessante, ouviu o choro que vinha do fim do corredor, e continuou, ininterrupto, passando pela porta de seu quarto e seguindo até a saída. Poderia ter aberto os olhos para espiar a criaturinha - a enfermeira havia deixado a porta aberta ao sair - mas não, de fato, havia apertado ainda mais os olhos, transformando as manchas coloridas que via em manchas escuras, que dançavam à sua frente.
Então, quando havia desistido de lembrar o que a perturbara naquela tarde de dezembro, e só agora sua mente a fazia perceber que havia sentido tal desconforto, uma imagem brotou em sua mente, fazendo com que desviasse os olhos da rua e com um pequeno sobressalto - do tipo que temos quando lembramos de algo importante que esquecemos de fazer, como desligar o forno - encarou a mesa à sua frente, deixando que a imagem viesse, aos poucos, e se completasse. Foi um pouco mais tarde, quando a enfermeira havia retornado à seu quarto, deixando ao lado de sua cama uma caixa de doces com um cartão. Aquele cartão. O cartão que ela havia guardado dentro da bolsa mais tarde sem ao menos se dar ao trabalho de abrir. O cartão que provavelmente havia ido parar em alguma lata de lixo em uma de suas limpezas mensais. Aquele cartão continha a última coisa que seu amor havia lhe dito na vida.
Ela ficou ali, sentada na cafeteria, olhando para a mesa e imaginando o que ele poderia ter escrito para ela. Imaginando que talvez ali estivesse registrado o último "Eu te amo" que ele lhe diria, pelo resto de sua vida.

C.C.

2/06/2010

Sobre amizade, o tempo e a vida.

Ultimamente tenho pensado muito sobre isso, mas não tinha parado ainda para colocar no papel... Estava me sentindo meio... bloqueada. Acho que a visita de hoje foi o que faltava para conseguir colocar de novo no papel meus pensamentos. Uma amiga querida, amiga da minha mãe, poderia até dizer amiga de família, da nossa pequena família, mama, clarita, chico e eu. Eu estava no pré quando a mãe a contratou para trabalhar no maternal, recem aberto. E desde então, está nas nossas vidas. Ana Banana, como ri com ela - ou deveria dizer: dela, ou para ela? Era a pergunta que sempre fazia: Tá rindo de mim, ou pra mim? E eu ria mais ainda.
Não faz tanto tempo assim - uns anos talvez - que não nos vemos, mas só agora pensei a respeito, a respeito de quanto tempo a ana  banana faz parte de nossas histórias, de nossas gargalhadas, de nossas vidas. Tenho muito carinho por ela; carinho, amizade, respeito. Acho que pela primeira vez compartilho de seus sentimentos a respeito do tempo que passou. Ela olha para mim e lembra da menininha de quem ela costumava cuidar quando pequena, a menininha que ela fazia rir, que ia na casa dela, brincava no quintal, comia o pão que a mãe dela fazia. A menininha que agora tem 22 anos. Mas ainda ri com ela, para ela e dela, por que, vocês podem não saber, mas ela realmente é uma figura! É impossível não estar ao seu lado e não soltar uma gargalhada.
E então, hoje ela está aqui, com a sua filha. E amanhã eu vou viajar... Vou passar um tempo na casa da cabeçuda, uma das pessoas a quem dedico o texto abaixo, uma das pessoas que espero encontrar daqui a alguns anos e sentir que a amizade que nos unia no passado ainda existe, uma das pessoas que espero chamar de amiga ainda por muitos e muitos anos. Por um lado estou feliz por ir, muito feliz, e por outro estou triste, creio que vocês já devem ter entendido o por quê.
Enfim, o que estive pensando estes dias, é como o tempo passa rápido. Sim, o tempo passa muito rápido... Num dia você está no quintal de casa brincando com o cachorro, todo cheio de terra e grama, e no outro, tá limpando a terra da roupa do seu filho, no outro do seu neto... Muito rápido, mesmo. Só que a gente não percebe, não é? E não dá valor... Acho que só depois de muito tempo é que a gente percebe que o que mais faz falta são as coisas "pequenas." As risadas, uma tarde embaixo de uma árvore, os amigos reunidos, os sorrisos, os olhares, aqueles gestos característicos, as piadinhas, as histórias... O sol batendo no rosto no inverno, a chuva escorrendo pela pele no verão, o cheiro das flores na primavera, as folhas caíndo no outono... O riso das crinaças brincando, o canto dos pássaros, o som das ondas batendo na praia, uma leitura acompanhada de um café quentinho no inverno *sorriso*. Dizem que a beleza está nos detalhes. E são os detalhes que fazem a diferença. A vida está nas pequenas coisas, não porque sejam pequenas, mas porque as pessoas as vêem assim. São as pequenas coisas que nos mantêm vivos, aquelas com as quais lidamos todos os dias, durante 24 horas; nos acostumamos com elas, e as fazemos pequenas, quando na verdade deveríamos agradecer por elas.  Mas só agradecemos quando o ar nos falta e temos a sensação de que se não pudermos inspirar e expirar imediatamente, iremos morrer. Quando o ar entra novamente nos nossos pulmões, ficamos gratos, e percebemos o quão importante é este pequeno ato, que realizamos o tempo todo, sem parar.
Nos dias de hoje as pessoas podem virar para mim depois de ler isso e dizer: Mas com que tempo? Não tenho tempo para parar e ficar agradecendo simplesmente por respirar, ou para ficar olhando as crianças brincando num parque, ou para admirar a beleza das folhas caíndo e da lua cheia.
E o que eu poso fazer? O que posso dizer?
Estas pessoas que correm contra o tempo, que tentam matá-lo dizendo que não o têm, vão perceber só no fim, que o tempo é que acabará os matando. Porque ele não pára, nem pra mim, nem pra você. O tempo vai passando, passando, e só depende de nós decidir o que fazer enquanto ele passa. Podemos decidir apreciar uma refeição, o sabor do que ingerimos, apreciar a paisagem enquanto estamos dentro de um ônibus, apreciar um pássaro cruzando o céu enquanto caminhamos, apreciar um bebê dando seu primeira passo em uma rua qualquer em que estejamos passando, apreciar o momento em que o ar entra, e o momento em que ele sai. Podemos decidir viver, apreciando a vida em todos os sentidos - pois ela está em todos os lugares; ou podemos decidir apenas existir, correndo contra o tempo, lutando contra o mundo, achando que a vida é aquilo que vemos na tv.

C.C.