6/18/2011

O Reflexo na janela

Abriu o caderno e recebeu o olhar reprovador das palavras e cálculos ali gravados. Ouviu a voz de sua consciência lhe dizendo que era hora de começar a estudar. A sala estava vazia, a não ser por ela. O prédio onde estudava na universidade de sua cidade era velho e tinha uma estrutura precária. A maioria dos estudantes da faculdade tinha medo de passar por ele, principalmente à noite, e o chamavam de Labirinto. Suzane já estava acostumada com seus corredores e voltas, e já não entendia o porque de o chamarem de labirinto. Mas à noite, ela também sentia medo. Sozinha na sala, preocupada com a prova da semana seguinte, ela ouvia os passos de alguns estudantes do período noturno passando pelo corredor, e a voz de um professor na sala ao lado. Percebeu que reconhecia a voz do professor, ele lhe dava aula também. As letras de seu caderno continuavam a lhe enviar olhares reprovadores, Suzane já não lhes dava importância, estava pensando em como estava cansada de estar ali, cansada de estudar, cansada da faculdade, cansada dos amigos, cansada. Olhou para o quadro negro e percebeu um movimento próximo à janela. Estava escuro e frio na rua. Mas não havia nada lá. Uma janela estava aberta e as cortinas de material pesado oscilavam vagarosamente, quase que imperceptivelmente, com o vento noturno. Uma das integrais lhe lançou um olhar zangado, Suzane voltou sua atenção para o caderno novamente.

Como era fácil se perder em um detalhe quando sua mente estava longe. Uma aula havia terminado e os alunos saiam da sala fazendo barulho. Suzane não conseguira progredir ainda em seu estudo. Recostou-se na cadeira e soltou um suspiro longo. Suas costas doíam. Estava sentindo uma dor localizada já desde o inicio da semana, no dia anterior nem conseguira se movimentar direito. Cansada, começou a massagear o local dolorido, com os olhos fechados, seus ouvidos captavam os sons do ambiente ao seu redor. Vozes, passos, pequenos movimentos nas salas próximas. Abriu os olhos e novamente percebeu um movimento próximo à janela. Não havia nada. Com o reflexo das lâmpadas não conseguia ver a rua direito, somente a sombra de uma árvore. Tosse, espirro, cortina. O corredor estava mais silencioso agora e ela podia ouvir outros ruídos dispersos. Ajeitou-se na cadeira, ignorando a integral dupla que naquele momento cochichava com sua amiga logo à frente e apontava um dedo acusador para ela. Suzane não lhe deu atenção, sentia agora uma espécie de opressão no peito, uma espécie de desconforto com o silêncio que reinava no corredor talvez. Decidiu dar mais uma chance para as integrais duplas que já haviam decidido que ela era um caso perdido e davam de ombros, olhando para os lados. Mais uma ondulação nas cortinas. Suzane as encarou. Percebeu então que aquele sentimento de desconforto estava aumentando, olhou para suas coisas sobre a mesa e começou a guardá-las, mesmo achando-se patética por ainda sentir medo depois de quatro anos estudando no prédio. Uma cadeira rangeu na outra sala e seu coração deu um salto, olhou para o lado para atestar a si mesma o quanto era ridícula aquela situação, e engasgou-se com uma risada que ficou presa em sua garganta. Havia um rosto a encarando na janela. O susto foi tanto que Suzane não conseguia se mover ou falar, e enquanto tentava retomar os sentidos viu um olho piscando para ela no reflexo do vidro. Ele a encarava de uma classe próxima à janela. Não havia ninguém sentado ali. Em pânico, Suzane fechou o caderno na cara das integrais que não estavam entendendo o porque de todo aquele alvoroço, enfiou suas coisas de qualquer jeito na mochila e saiu desabalada pelo corredor, segurando-se para não correr, sentindo o coração quase sair pela boca.

Na sala, o reflexo do vidro olhava desolado para a porta aberta, sem entender o que havia acontecido.

C.C.

6/03/2011

Escritos no guardanapo impermeável

Ele mudava suas convicções, ela não as entendia. Estavam cansados, os dois, mas só um deles deixava transparecer toda a insatisfação que os envolvia. Todos os dias, o sol o fazia querer parar. Olhava para os lados, e nas ruas apinhadas de gente, não via um semelhante sequer.

Ela preferia as lojas e os centros, mesmo sentindo-se sozinha. A imperfeição e ignorância das pessoas que a cercavam eram só o que conseguia elevar seu ego naqueles dias. Ela não se importava.

Quando também o diálogo acabou ele preferiu sair de casa. Ela não aceitou.

Carregando suas vidas infelizes em suas costas, um dia seu carro derrapou na estrada enquanto se dirigia para um encontro com seu amante, e finalmente os libertou.

C.C.