8/02/2010

História de outra mente - Enid

Quarto Escuro

 Acordou e permaneceu deitada, encarando o teto do quarto. A madeira escura estava começando a apodrecer, provavelmente pela umidade e falta de luz.

Escuro. Ela podia sentir a vida que nascia nas ruas, podia sentir o sol infiltrando-se pelos poros do quarto frio, mas não havia luz. Levantou-se, pôs os chinelos e foi até a janela. Ela a abriria, e mesmo esperando sentir o calor do sol tocando seu rosto, sabia que só veria uma parede escura coberta por limo e sentiria o vento gelado cortando sua face. Era só o que precisava para despertar.

Inspirou o ar gélido, trocou o pijama por uma calça de couro e uma camisa impecavelmente branca. Pôs o colete preto, pegou o relógio de bolso, deu corda, e colocou-o no bolso do colete. Pôs o coldre em volta da cintura e colocou uma pistola em cada lado, pegou mais duas pistolas, menores, e escondeu dentro das botas de cano alto. Pôs o sobretudo de couro longo, o chapéu e então parou em frente à porta do quarto. Antes de sair inspirou profundamente, tocando a maçaneta. Talvez tivesse virado um hábito, ou talvez fosse realmente necessário. Enquanto inspirava, os olhos fechados, juntava forças e o que mais fosse preciso para sair, para ver o mundo, para continuar vivendo.

 Contrato

 Havia sol, ainda que fizesse frio, seus raios penetravam a cortina fina de fumaça e poluição que se estendia sobre a cidade. Enid seguiu pela rua movimentada, o rosto parcialmente escondido pelo chapéu. Havia um encontro, outro cliente, outro contrato, mais uma morte.

Já não se perguntava mais, os fantasmas pareciam estar cada vez mais quietos, presos a um passado que já não lhe dizia respeito, era só essa espécie de anestesia, como se o mundo à sua volta não fizesse parte dela, e ela não fizesse parte deste mundo.

 Sentiu o cheiro do café à distância. Sempre um café. Parecia que os cafés haviam sido criados para isso, locais onde pessoas que querem silenciar alguém encontravam pessoas dispostas a fazer o serviço. Por um preço, claro, sempre havia um preço a ser pago, sempre havia o contrato.

C.C.

 

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