9/26/2008

Chuva. Música. Oscar Wilde

Eu não sei se foi o dia... A chuva, o céu cinzento, com brechas azuis.
Não sei se foi a música. Não sei se foi o livro.
Provavelmente o livro.
Mas a mistura dos três mexeu comigo, de uma maneira que há muito tempo eu não sentia. E ao olhar para o céu, para a rua, as pessoas, o mar, senti. Não sei o que, mas senti, e foi forte, tão forte! Mal pude me conter, e chorei, ali mesmo, no ônibus, olhando pela janela e sentindo.
Aquela lágrima que não pude conter, e por não contê-la, fui incapaz de secá-la. Deixei que se fosse, e que a sensação permanecesse em meu rosto.
Palavras...
Talvez eu saiba, se pensar no livro. Na inocência que Henry exulta ao tirar de Dorian, aos poucos. E que faz com que Basil perca, aos poucos, a expressão de sua arte.
Palavras, tolas, que Henry pronunciou.
Palavras, simples, que ouvi.
Eu não sabia que ainda era capaz de sentir essa fisgada no estômago. E que a sensação podia durar por tanto tempo. E crescer, misturar-se com outras impressões, e transformar-se nesse sentimento... melancolia, nostalgia, essa tristeza ao descobrir... Mas o que eu descobri? Que descoberta foi essa que me deixou assim? Tão sensível, tão susceptível ao mundo, às suas dores, à sua beleza, a esse céu cinzento.
E ainda está aqui, eu sinto! Eu simplesmente precisava me enfiar no meio da pessoas, justo eu, que detesto isso. Mas eu queria, eu precisava esbarrar nelas, olhá-las, sentí-las, acariciá-las docemente com meu olhar de descoberta. Ah, e como é bom!
Não sei por que, há tanto tempo não fazia isso, não olhava para as pessoas nas ruas como elas são, humanas. Humanos na feira, humanos nos ônibus, humanos no bar, na faixa de pedestres, nas lojas. Humanos com dores e alegrias, pensamentos, sentimentos, tristezas, sofrimentos, amores.
Foi isso que senti? O que senti quando vi aquela mulher, velha, baixa, grisalha, procurando alguma coisa na bolsa, para dar ao balconista da lanchonete, meio desamparada, eu quis abraçá-la! Abraçá-la! Ajudá-la, eu quis dizer-lhe algo, e nem sei o que. E essa sensação... Eu não sei, não entendo o que aconteceu.
E da vontade de estar entre as pessoas, de sentir como se fosse uma parte delas, veio a vontade de estar entre os pássaros, de ver a velha figueira. Eu fui. E sentada no banco, fitando-a - imensa, com seus braços compridos, sustentados por barras de ferro - eu pensei: Quantas vidas humanas não passaram por ela? Quantas lágrimas, risos, conversas ela não viu e ouviu? E quando não havia uma praça, e quando não havia barras de ferro, quando lutava pela luz do sol com outras árvores, como era? Como? Seus braços, suas raízes, sua forma, tudo nela me fazia indagar, me fazia pensar, e olhar, simplesmente admirar sua vida, sua luta, e sua forma.
Não sei como, mas pensei tantas coisas ao mesmo tempo, que nem sabia o que pensar.

E a música. E a chuva. E Dorian Gray.
Essa mistura ainda está aqui, fazendo efeito sobre mim. Assim como as palavras.
Meu Deus, é tudo tão lindo!
É tudo tão triste.
E a ausência... Esse sentimento, que são muitos formando um, é lindo, e perigoso. Não sei por que.
"Meu Deus", também isso eu senti, a falta de um deus, um deus que não sei onde foi parar. Quando penso nisso, nessa ausência, eu não entendo. Não entendo por que deixei de ver as coisas como eu via antes, também não saberia explicar por que isso aconteceu, e se me perguntassem: Mas vc não acredita mais? Eu não saberia responder, e toda vez que ouço essa palavra, toda vez que alguém fala em fé, em religião, eu sinto uma coisa estranha, como se falassem no nome de alguém que já se foi, e deixou um vazio imenso dentro de mim. E por saber que não tem volta, simplesmente não consigo falar a respeito. E quando penso: Antes eu diria Meu Deus, me ajuda! e agora, agora não digo nada, só sinto, sinto que só depende de mim.
Como eu poderia dizer... Quando falam em religião, tenho vontade de correr, talvez seja esse o sentimento quando dizem: Como o diabo corre da cruz.
Mas é só por que não quero me defrontar com as pessoas e com a sua fé. Por que quando as vejo, lembro do que eu sentia, e não entendo por que não sinto mais.
Mas é estranho não? Uma pessoa ficar assim perdida com relação a um criador, e sentir o que senti hoje, o que venho sentindo já a algum tempo. Que vale a pena, mesmo a dor, mesmo essa ausência, e o vazio que sinto às vezes. Que vale a pena estar vivo, que vale a pena amar, que vale a pena Ser Humano.
Se demônios existissem, esse seria o momento perfeito para me levarem, me ludibriarem e fazer com que Deus perdesse mais um de seus filhos. Mas não é o que está acontecendo. Com minha tristeza, com a ausência, com esse amor que deixo preso, eu ainda busco pela luz, ainda luto pela vida, ainda quero encontrar o amor verdadeiro, quero sentí-lo, vivê-lo.
Minha consciência, talvez seja "meu anjo da guarda" contra os demonios.

É, não consigo não falar de mim, e de meus sentimentos. Talvez seja uma limitação que eu tenha, ou talvez... Eu não tenha outra maneira de descrever o mundo, a não ser através de meus sentimentos.

C.C.



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